Miss, cultura e cochiladas

Saber escrever e saber entrevistar são dois talentos que admiro. Nem todos os mortais são obrigados a dominar essas artes, a menos que façam parte de sua profissão. Nesse caso, não há desculpa.

Vamos ver o que fizeram numa entrevista com a Miss Rio Grande do Sul.

Esse é o primeiro parágrafo da entrevista, e começa com uma cochilada. Faltou o “como” antes de “uma das favoritas”. Mas, mesmo com o como, a redação ficaria ruim. Melhor seria “faz de … uma das”, “torna … uma das”.

O redator diz, então, que a moça tem uma “arma secreta”. Em se tratando de concurso de miss, o que seria essa arma secreta? Dotes físicos únicos? Cor inédita de cabelo? Olhos estonteantemente belos? Poliglotice incomparável? Memória fotográfica? Vamos conferir.

Pois é: a arma secreta foi ter nascido em determinada cidade. Ora, desde quando isso faz diferença em concurso de miss? Ou haverá alguma preferência geográfica por misses de algumas cidades em especial? Por isso, as nativas de outras cidades estão em desvantagem? Um mistério.

Depois o redator presta um serviço cultural explicando a diferença entre Xangri-Lá, a cidade da moça, e Shangri-La, do livro. Não sei se alguém faria confusão entre ambas cidades, mas é sempre bom prevenir.

Então, avancemos para a entrevista:

Afinal, Shangri-La ou Xangri-Lá? Será que o editor não foi o mesmo que escreveu a nota explicativa?

Depois de algumas perguntas superficiais, quase parecendo desconfiar da inteligência da moça, surge esta:

O que significarão essas vírgulas? Mas tem mais.

Na linguagem informal oral, não há problema em misturar “tu” com “você”, mas no registro escrito isso fica feio. Se foi transcrição da entrevista gravada, não costumava arrumar o texto: “… jurados escolheram você…?” Não terminou ainda.

Aí foi a vez da moça escorregar, não no português, mas na coerência. A resposta dela não responde à pergunta que não era pergunta do entrevistar. A moça, coitada, deve ter-se sentido encurralada, e repetiu o que havia dito no parágrafo anterior. Freqüentemente, uma entrevista ruim é culpa em essência de um entrevistador ruim.

Como eu disse, saber escrever e saber entrevistar são talentos. Nem todos os têm.

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