Sobre o Acordo Ortográfico

Li hoje este interessante artigo, um tanto em cima do muro pra meu gosto, sobre o acordo ortográfico. Ainda vou falar sobre o assunto por aqui.

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No dia 29 de setembro entrou em vigor o decreto que promulgou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O objetivo é a unificação da ortografia portuguesa e, por conseguinte, das regras a serem ensinadas nos países lusófonos. O Acordo foi firmado em 1990 e somente agora os países envolvidos resolveram os detalhes e ratificaram-no. A demora é justificada por questões políticas e acadêmica, representada esta pela tarefa assumida em conjunto de elaborar um vocabulário ortográfico comum.

O Acordo determina que o glossário compartilhado seja o mais completo possível e normalizado ao máximo no referente à s terminologias científica e técnica. Não deve ter sido fácil, ou ao menos agradável, a realização do trabalho. Um mesmo vocábulo deverá ser reconhecível em cada um dos países de língua portuguesa. Assim, termos como “objeto”, “tratado”, “extradição” terão a mesma grafia no Brasil, em Portugal, Moçambique, Cabo Verde etc. O efeito no Brasil será pequeno, mas os outros, Portugal em primeiro lugar, terão seus transtornos. O reconhecimento de algumas palavras dependerá do contexto. Duas pessoas num escritório apertam as mãos celebrando um pato; no almoço, pato diverso é servido assado com arroz mole e coentro.

Quem acompanha a literatura africana em língua portuguesa poderá ser mais exato, mas a mim me parece existirem dois pólos ortográficos: Brasil de um lado e Portugal com os demais países do outro. Cada um, todavia, com suas peculiaridades regionais. Daí a impressão que a língua adaptada no Brasil sobrepôs-se à língua “original”. Uso aspas porque o português não é uma língua original, aborígine, por assim dizer. O Latim não foi substituído em Portugal, o uso local é que prevaleceu e adquiriu autonomia, de modo que ao correr dos séculos ficamos com dois idiomas. No Brasil, adotou-se oficialmente a língua portuguesa, mas não poucos viajantes, livros e artigos detêm-se acerca das diferenças. Falamos na verdade um idioma baseado no português e alvo das sempre mencionadas influências negra e índia. Certo dia, esperando um ônibus em Curitiba, não me surpreendi quando uma menina contava ao pai que determinado evento de sua escola seria apresentado “em inglês e em brasileiro”. A língua portuguesa é nossa roupa de cerimônia, aquela com a qual queremos ser reconhecidos e que nos tolhe um pouco a fala. O “brasileiro” é o trajo doméstico, puído, sobre o qual o cachorro dorme quando não o vestimos, mas que nos facilita os movimentos, isto é, a comunicação.

A notícia do Acordo foi estridente, transmitindo a sensação de que uma nova língua passaria a ser falada e escrita. Sua utilidade prática, na verdade, é política e educacional. Política, para que sejam eliminadas as adaptações e versões dos tratados internacionais. Um texto em inglês pode ser lido da mesma forma na Inglaterra e no Canadá, o mesmo podendo dizer-se para um texto em espanhol e países como a Espanha e o Chile. Contudo, o texto publicado no Brasil pode ter redação diversa do publicado em Portugal, Moçambique e Angola. Pode ser pouco em termos gerais, mas para culturas apegadas mais aos termos que ao sentido, a unificação afasta questionamentos desnecessários. Também as editoras não precisarão mais colocar em cada obra portuguesa publicada aqui uma nota alertando a manutenção da grafia original. Ocioso, de qualquer forma, demorar sobre a distância entre o oficial e o coloquial.

A utilidade educacional revela-se no ensino unificado de uma ortografia mais simples em todos os países signatários. Da perspectiva brasileira, o impacto ainda será pequeno. Um brasileiro talvez não tenha grande intenção de estudar em Cabo Verde, mas a recíproca pode ser mais ansiada que o imaginado. As regras gramaticais continuam as mesmas, devendo o aluno seguir aprendendo a diferença entre uma oração subordinada substantiva predicativa e uma subordinada adverbial concessiva. Quanto à colocação pronominal, continua sendo correto “vê-lo” e não “ver ele”; “encontrá-la” e não “encontrar ela”. Todos “encontram ela”, mas “encontram-na” por escrito.

Em se tratando da pátria do Jeca Tatu e outras distinguidas figuras, a unificação poderá ser usada em desfavor dos candidatos a cargos públicos que estejam prestando concurso. A partir de agora, os testes de múltipla escolha causarão arrepios até aos espíritos de Antonio Houaiss e Napoleão Mendes de Almeida. Concursos que antes não exigiam, passarão a cobrar provas redacionais para conferir se o candidato está atualizado. Um teste de múltipla escolha pode ser resolvido pela sorte, mas a mão cansada do concorrente denuncia-o com maior eficácia.

O decreto presidencial traz o remédio contra estas e outras armadilhas, bem como o alívio de revisores, autores, editores e outros profissionais envolvidos. Um dos artigos estabelece um período de transição para implementação das novas regras. De primeiro de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, coexistirão a velha ortografia e a nova. Agora eles sabem o que é estudar um Código Civil por cinco anos, sair da faculdade e logo depois estudar tudo de novo, por conta da revogação, sem mencionar os demais ramos do Direito. Só acredito que por uma questão de documentação histórica, os textos publicados em sites deverão ser mantidos como no início.

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