Enriqueça com o vocabulário

Ivan Lessa disse tudo o que eu queria dizer e de que sempre suspeitei. Eis que a reforma é mais uma fórmula de alguns ganharem muito dinheiro. Além de bagunçar a vida do povo.

O texto foi dica da minha amiga Laura, professora com saudades dos bons tempos da sala de aula. A imagem que o ilustra é por minha conta.

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Não houve erro de digitação ou pensação. É assim mesmo. A reforma ortográfica, mal aprovada nos quartéis do poder brasileiro, já saiu botando a banca de quebrar a banca. Livro que não acaba mais saindo. Um após o outro. Tudo quentinho. Estavam no forno e caprichavam neles apenas esperando o tiro de largada.

Bam! Dia 12 entrou, mais ou menos, em vigor, a reforma que patrocinamos e sabe Deus e a Academia Brasileira de Letras (ABL) como conseguimos impor aos sete outros países componentes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre os quais destacamos, por pena e simpatia, Cabo Verde, que, ao que parece, irá perder todos seus acentos além dos hífens e do direito à sua Bolsa-Família, ou Bolsa Família.

Primeirão na fila, o Novo Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos. Tudo que você queria saber sobre o contrário de amor (ódio) em mais de 20 mil palavras e termos da Língua (dita) Portuguesa em 888 páginas e pela módica quantia de R$ 79,90. Mas para o senhor, talvez façam por R$ 70. Atenção: vitória espetacular dos sinônimos sobre os antônimos. De lavagem! 196 mil sinônimos contra apenas 90 mil antônimos.

Antônimo Houaiss (1915-1999) foi filólogo, diplomata e principal negociador brasileiro do Acordo Ortográfico, firmado em 1990 pela CPLP, e que, agora, 18 anos depois, vê a luz do dia e, em especial, o breu da noite. Houaiss traduziu também para algo parecido ao português o romance Ulisses, de James Joyce. Trata-se de um dos livros mais impagáveis publicados pela Editora Civilização Brasileira nos anos 60. Mais engraçado que filme do Gordo e do Magro.

Tem mais. Muito mais.

Nas livrarias, e alguns camelôs empistolados, sem falar naqueles crioulinhos que vivem de virações nas feiras públicas, o Escrevendo Pela Nova Ortografia, um lançamento do – atenção – Instituto Antônimo Houaiss (IAH). São apenas 136 páginas. Mas que páginas! Todas as dúvidas que o senhor e a senhora podem ter sobre a nova grafia são esclarecidas. Acentuação? Trema? Hífen? Uso do “h”? Nomes próprios estrangeiros? Tá tudo lá. E é dado: apenas R$ 19,90.

Acham que o bom e velho Aurélio ia ficar paradão vendo os Antônimos da vida se locupletarem? Nunquinhas. Já se encontra nas boas livrarias do ramo (e há outro ramo?), o Novo Dicionário Aurélio, edição que vem inclusive com CD-ROM. Há uma promoção no esquema. Mais informações na internet.

E a Academia Brasileira de Letras (ABL), que suou os uniformes e as espadinhas para botar nos ares lusófonos a nova versão do idioma de Camões e Ademar Lyra Tavares? Ia ficar de papo para o ar pensando na morte do Bezerra?

No dia 13, 24 horas após a mudança histórica, já estava nas mesmas livrarias, feiras, camelôs e crioulinhos, o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, editado pela Companhia Editora Nacional, contando com 1.311 páginas e cerca de 33 mil verbetes. Tudo que dele consta será adotado pelo “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” (VOLP).

Essas preciosidades todas serão obrigatórias um dia (isso é Brasil, minha gente) em tudo quanto é colégio e lar. Não se falou ainda no que vai acontecer com toda a livrarada obsoleta (datada é a mãe). Talvez uma imensa fogueira para, num desses invernos mais bravos, aquecer os pobres analfabetos.

Há alguns senões, segundo a Folha de São Paulo em matérias recentes. Certos acentos ficaram no ar. Como o acento em “destróier” (a rigor deveria ficar no mar). O Acordo diz que paroxítonas com ditongos abertos, como “ei” e “oi” perdem o acento. Uma regra específica, especifica a Folha. Mas parece que se esqueceram da nave bélica. Então, entre o específico e a geral, ficaram com a geral, esclarece para o jornal uma Alta Autoridade Acadêmica (AAA).

Confusões também com o hífen. No dicionário da ABL, “co-herdeiro”, que era o combinado, saiu grafado como “coerdeiro”.

A reportagem da Folha de São Paulo informa que tentou falar com a ABL no mesmo dia, mas ninguém foi localizado para comentar o caso.

Atenção: os verbetes considerados corretos e esclarecedores aparecem apenas na segunda edição da obra em questão. A primeira, com 15 mil exemplares, já vendidos, foi publicada com verbetes errados. Nada na capa que diferencie as duas edições. Qualquer reclamação, o jornal dá o telefone da Editora Nacional.

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