Vez por outra nossa caixa postal é invadida por textos fantásticos, maravilhosos, profundos ou reveladores atribuÃdos a determinados autores. Os incautos, então, de pronto enviam para o maior número possÃvel de amigos e contatos, fascinados com a sobriedade e a percepção dos fatos de quem escreveu.
Quem assim age comete pecado contra o primeiro mandamento relativo a encaminhar de mensagens: Não passarás adiante mensagens maravilhosas sem antes confirmar sua autoria.
Exemplo disso é um texto, chamado “Precisa-se de Matéria-Prima para construir um PaÃs”, supostamente de autoria de João Ubaldo Ribeiro. Recebi hoje uma versão dele em PowerPoint (outra coisinha desagradável, cujo envio fere o segundo mandamento: Não enviarás arquivos enormes para seus amigos, principalmente se forem em formato PPS). Os erros de português e a linha simplista de pensamento me fizeram suspeitar que o Ubaldo não seria o autor. Dois minutos de pesquisa no Google trouxeram a resposta. Leia abaixo:
Ubaldo e a matéria prima com que se faz um paÃs
J. Carlos de Assis.
Economista e Professor.Meses atrás recebi por diferentes remetentes da Internet um artigo atribuÃdo a João Ubaldo Ribeiro sob o tÃtulo “Precisa-se de matéria prima para construir um paÃsâ€. Este artigo continua a rolar pela Internet até hoje, sendo que muitos dos que o remeteram para mim o aplaudiram entusiasticamente, como se fosse a última palavra do bom senso polÃtico e social.
Começa assim: ‘A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO. Nós como matéria prima de um paÃs.’
Assim, o artigo é uma verdadeira catilinária contra a suposta cumplicidade e passividade do povo brasileiro para com o roubo, a incivilidade e a ilegalidade. A culpa pelas nossas mazelas seria dele, que é a péssima matéria prima com que se construiu o Brasil.
O texto me deixou indignado. Com todo o respeito por João Ubaldo, respondi com um artigo sob o tÃtulo “A culpa não é do povo, e sim das elites dirigentesâ€. Foi publicado no “Monitor Mercantil†e no site Desemprezo Zero, e está também na Internet. Diz o seguinte: “João Ubaldo Ribeiro é um cronista geralmente gratificante de ler em seu estilo suave e espontâneo. Entretanto, produziu na semana passada, sob o tÃtulo de ‘Precisa-se de matéria prima para construir um paÃs’, um dos discursos polÃticos mais regressivos e reacionários da mÃdia contemporânea, embora sempre com uma forma leve e atraente. Sua conclusão fantástica é que o problema do Brasil não são seus dirigentes, suas elites polÃticas e econômicas, mas o povo. É a matéria prima do paÃs que não presta!
Caprichei de minha parte numa catilinária justificada contra nossas elites dirigentes, debochadas e vigaristas, e numa defesa da extraordinária capacidade de nosso povo de enfrentar situações adversas, aà incluÃda a derrubada de um regime autoritário e de um presidente corrupto sem que corresse sangue. Com efeito, a recente história polÃtica do paÃs presta um tributo à fantástica capacidade do povo brasileiro de construir a democracia polÃtica de forma absolutamente civilizada.
Semanas atrás, recebi, assinado por João Ubaldo Ribeiro, um e-mail nos seguintes termos: “Não sou eu o autor do texto comentado pelo sr. J. Carlos de Assis, a respeito de um texto intitulado ‘Precisa-se de matéria prima para construir um paÃs’. Esse texto foi produzido por alguém que desconheço e que o pôs na Internet. Acho que devia haver mais cuidado na apuração de autorias, para que esse tipo de injustiça não aconteça, ou seja, eu responder por algo que não fiz. Gostaria, se possÃvel, de uma correção.â€
A mensagem me alegrou muito, não só porque indiretamente me dava razão pelo fato de me ter insurgido contra o que me parecera insultuoso contra o povo brasileiro, mas pela indicação de que de fato não tinha sido escrito por João Ubaldo. É que sou um admirador antigo desse extraordinário escritor e cronista, tendo ficado muito decepcionado com o artigo que lhe fora atribuÃdo. Entretanto, ocorreu-me a seguinte dúvida: e se não fosse Ubaldo quem me havia mandado a mensagem pedindo retificação? Se fosse um trote?
Pedi a uma assessora para tentar apurar a autoria junto à Academia Brasileira de Letras e a editora Nova Fronteira, que eram as procedências registradas da mensagem. Sem muita dificuldade ela teve acesso ao próprio Ubaldo. E ele confirmou diretamente que alguém juntara pedaços esparsos de coisas que tinha escrito, acrescentando outras por conta própria, para montar o artigo que me parecera infame. Diante desse esclarecimento, estou fazendo este registro. Contudo, acho bem indicado que os responsáveis pela colocação do falso artigo na Internet o retirem de lá, com o que eu trataria de retirar também o meu. Até que isso aconteça, os dois devem ficar disponÃveis, junto com essa nota em honra do notável imortal João Ubaldo.(http://www.desempregozero.org.br/editoriais/faz_um_pais.php)
Agora, levante a mãozinha e prometa pra mim: Nunca mais vou enviar mensagens em PPS e sem me certificar de sua autoria ou das informações que ela traz.
Tá bom, eu levanto a mãozinha e prometo. E aproveito para fazer novamente o clamor: não enviem os gigantescos PPSs para mim.
Ufa!