por Cláudio Moreno
O assunto da coluna anterior foi a estranhÃssima pressa com que nossa Academia lançou o seu Vocabulário Ortográfico, elaborado por uma comissão que, além de não ter representatividade alguma no meio cultural e acadêmico, não inclui — afora seu presidente, Evanildo Bechara — nenhuma reconhecida autoridade em nosso idioma. EstranhÃssima, por quê? — há de perguntar o leitor que está chegando agora ao baile;  estranhÃssima, digo eu, porque esta desastrada publicação veio implodir a própria essência do Acordo, que era (alguém ainda se lembra desta peta?) a unificação da LÃngua Portuguesa, aquele sonho celestial que atraiu muita gente de boa fé, tanto aqui quanto além-mar! Ébrios de tanta utopia, os neoconvertidos já enxergavam, ao longe, a luz celestial do futuro prometido: o Português seria finalmente unificado em todos os paÃses lusófonos, aumentando assim o seu poder polÃtico e conquistando o direito de ingressar no elenco das lÃnguas oficiais da ONU; os livros editados aqui seriam vendidos na Ãfrica, os livros editados na Ãfrica seriam vendidos aqui, e em Portugal, e em qualquer outro rincão debaixo do sol em que se fale o idioma de Camões. Os que se opunham ao Acordo e o chamavam de inútil e fantasioso eram apedrejados pela multidão, acusados de “retrógradosâ€, “conservadores†e “colonialistasâ€, entre outras pérolas. Era inútil; repetia-se, com a devida alteração, o maroto dito popular: água morro abaixo, fogo morro acima e tolo que quer se iludir, ninguém há de segurar…
Pois não é que a Academia Brasileira de Letras, sem tir-te nem guar-te, decidiu publicar um Vocabulário Ortográfico sem consultar ou ouvir os demais paÃses interessados? Mas como? Não deveria ser um esforço comum? Não Ãamos todos dar as mãos para um mundo melhor, como recomendam as redações escolares? Pois não foi o que se viu. As autoridades brasileiras que se manifestaram quando o Vocabulário foi concluÃdo quase não podiam conter o seu ufanismo: nada mais natural que tivéssemos saÃdo na frente! Afinal, mais de 80% dos 230 milhões de falantes do Português vivem aqui na Pindorama, o que autoriza o Brasil a ser o puxador da escola de samba, a locomotiva do comboio, a São Paulo do mundo lusófono; non ducor, duco (â€não sou conduzido, conduzoâ€), dizia, em Latim, o lema fascista cunhado por D’Annunzio. (Ao que eu, com meu habitual espÃrito de porco, poderia redarguir: mas a levar adiante esse raciocÃnio de brucutu — manda quem tiver o porrete maior —, por que não obrigamos, simplesmente, os demais paÃses a escrever como nós temos feito desde 1943? Seria bem mais simples e mais barato — para nós!).
Quando um jornalista perguntou se este VOLP isolado não se chocava frontalmente contra o espÃrito do Acordo, o professor Bechara simplesmente respondeu que os demais paÃses deviam fazer o mesmo e lançar cada um o seu — o que resultaria, se chegasse a ser feito, em sete vocabulários ortográficos diferentes. Ou seja, não só deixaria de haver a propalada unificação (era só uma bravata de campanha, não vêem?), como ficaria ainda muito pior do que estávamos até o ano passado; haveria sete maneiras diferentes de grafar nossas palavras! E o Brasil todo — as universidades, os especialistas e, principalmente, a imprensa — aceitou que lhe enfiassem goela abaixo (ou por outra via…) este absurdo quase sem gemer! Aqui e ali alguma voz isolada denunciou o disparate cometido, mas, com um fatalismo bocó, a maioria dos brasileiros deu o fato como consumado e passou a se preocupar apenas em aprender a escrever novamente. Surgiram livrinhos oportunistas explicando o novo sistema, os jornais publicaram guias práticos e resumidos, organizaram-se cursos-relâmpago sobre o tema — tudo para permitir que nosso falante pudesse experimentar o prazer da nova ortografia sem sentir muita dor. Vários pontos do Acordo ainda estavam obscuros, mas os seus sacerdotes insistiam no mesmo mantra: o VOLP virá; ELE deixará tudo mais claro.
Pois ELE veio. Nova e desagradável surpresa: o VOLP, a bÃblia da ortografia vigente no PaÃs, não é oferecido on-line, como deveria, para consulta de todos os fiéis. Mas o que você queria, ingênuo leitor? Acesso gratuito? Está pensando que isso é obra de benemerência? Afinal, o senhor é contra o empreendedorismo? Quer arruinar os que investiram tanto tempo e esforço para montar este esquema? O senhor tem alguma coisa contra o lucro? É anarquista? É bolchevique? Quer que Moisés mostre as Tábuas da Lei sem ganhar algum? Ledo engano, caro amigo. Vá preparando a carteira, que você vai gastar R$ 120,00 (fica por cem, com chorinho) para ingressar neste recinto — e muito mais nos calmantes que vai ter de tomar quando perceber que comprou fruta bichada. Mas isso eu explico depois.
Depois do Acordo: vêem > veem