Como já comentei em outros artigos aqui no blogue, não basta dizer ou ensinar que determinada forma verbal ou palavra é errada ou não existe. (Por isso tenho bronca das tabelinhas coloridas da internet.) É preciso entender a razão pela qual o falante ou o escritor comete aquele erro. Procurando compreender o mecanismo mental que leva ao erro é muito mais fácil ajudá-los a adotar a forma correta segundo a norma culta.
Um exemplo bem comum de erro é a confusão entre vim e vir, otimamente ilustrada no texto dessa pessoa que se apresenta como revisora (!?). (Obrigado à colega caçadora de cochilentos Mariane pelo flagrante.)
Sublinhei em vermelho outras cochiladas feias (será que descastrar é devolver a virilidade ao animal castrado?), mas vamos nos deter no vim.
Vim é a forma verbal da primeira pessoa do singular do verbo vir (irregular da terceira conjugação) no pretérito perfeito simples do modo indicativo (um pouco de gramatiquês não faz mal a ninguém). É usado assim:
- Ontem, eu vim correndo lhe contar a notÃcia.
- João, eu não vim à festa, pois estava com dor de cabeça.
- Assim que eu soube do acidente, vim o mais rápido que pude.
Como é fácil de observar, vim sempre tem um eu (declarado ou implÃcito) que o acompanha. Então, quer saber quando usar vim? É só colocar um eu antes dele (o eu deve ser colocado antes da palavra negativa [não, nunca, jamais, etc.] que porventura anteceda vim).
Mas, com certeza, você já falou e já ouviu frases assim:
- Eu não vou /vim na/ festa. (Entre as barras inclinadas você tem a forma que não é correta segundo a norma culta.)
- O Carlos e a Maria não vão mais /vim/ fantasiados.
- Eu nem queria /vim/.
Você pode observar que não é possÃvel colocar o pronome eu antes da forma verbal vim nesses exemplos. Nesse caso, o correto é o uso do infinitivo: vir.
“Entendi. Mas por que as pessoas confundem os dois?â€
Para responder, precisamos pensar um pouquinho no uso dos verbos pelos falantes brasileiros, que influencia também, em muitos casos, a escrita. E há dois hábitos envolvidos.
O primeiro é que o brasileiro prefere as formas verbais compostas às formas simples. Assim, em lugar de escrever/dizer:
- Eu não irei ao casamento.
- Ele comprará seu presente.
- Nós chegaremos no horário.
- Eu não virei se ele estiver aqui.
o brasileiro prefere:
- Eu não vou ir ao casamento.
- Ele vai comprar seu presente.
- Nós vamos chegar no horário.
- Eu não vou vir se ele estiver aqui.
O outro hábito é que no Brasil, popularmente, o erre final dos verbos no infinitivo não é pronunciado. Como o erre faz com que todos os verbos no infinitivo sejam palavras oxÃtonas (aquelas em que a sÃlaba tônica é a última), mesmo ao omiti-lo, o falante mantém a última sÃlaba como a tônica. Por isso, ouvimos pelas ruas:
- Eu preciso /comprá/.
- Se ele /quisé/, ele que vá.
- Maria não sabe nem /sorri/ pra foto.
em vez de:
- Eu preciso comprar.
- Se ele quiser, ele que vá.
- Maria não sabe nem sorrir pra foto.
Ao fazer isso com o verbo vir, o falante, instintivamente, percebe que o resultado seria confuso, pois resultaria na forma verbal vi. Então, também instintivamente, recorre a vim:
-
- Eu preciso /vim/ mais vezes te visitar.
- Eu quero /vim/ bem cedo.
- Não vou /vim/ se você continuar chorando.
em vez de dizer:
- Eu preciso vir mais vezes te visitar.
- Eu quero vir bem cedo.
- Eu não vou vir [ou, não virei] se você continuar chorando.
Então, para falar e escrever corretamente, coloque a dica em prática. Use vim apenas quando puder colocar um eu antes dele; do contrário, uso vir (pronuncie o erre final para não ter dúvida!) sem medo.
Abraço!
Excelente explicação!
Oi, Tatiana!
Que bom que gostou! Use e recomende sem moderação. E volte sempre!
Abraço!