A existência da palavra que não existe

menas

A internet popularizou a informação (mas não a sabedoria) e o pitaco. No primeiro caso, pessoas capacitadas falam de assunto que dominam; no segundo… Bem, o pitaco livre é direito constitucional, e todo mundo dá o seu.

Os assuntos da língua portuguesa não ficaram de fora, e proliferam os artigos das duas vertentes. Os do segundo tipo são preocupantes, pois normalmente aparecem na forma de tabelinha colorida, bonitinha, com uma imagem engraçadinha… Parece que só texto não é mais suficiente para transmitir informação. E isso é estranhamente curioso quando se trata de “artigos” referentes à língua… Fui acometido de um devaneio aqui. Voltemos.

Pois bem, as tais tabelinhas ou listinhas trazem, por vezes, informações corretas, mas, por serem sucintas demais, por pretenderem ser uma lição completa numa única imagem, para que o cliente nunca mais esqueça, seguidamente erram nos conceitos apresentados. E erram feio.

Uma das afirmações mais comuns que os pitaqueiros fazem é: Menas não existe! Que grandissíssima bobagem é essa! É claro que menas existe. Veja alguns exemplos:

Menas é vocábulo que não consta do VOLP.
Uma vez que advérbios não variam em gênero, a forma menas não é correta.
Na linguagem informal, é muito comum ouvirmos as pessoas falarem menas.
“Quanto menas opinião, menas confusão”, disse minha tia na reunião familiar.
Numa entrevista de emprego, se você disser “menas”, com certeza perderá pontos… se não o futuro emprego.
Na redação do vestibular, use sempre a forma padrão culta. Cuidado com palavras usadas informalmente, como menas, ou gírias.

E exemplos assim poderiam se multiplicar, provando cabalmente que menas existe. (Os autores de livros de português dizem que se deve indicar com um * a forma que não seja culta. Deixei sem * de propósito.)

O problema com menas é não ser a forma culta. Menos é um advérbio (pode ser também pronome indefinido, substantivo masculino e preposição) e, como advérbios não variam, menas não é uma forma aceitável. O mestre Celso Pedro Luft, no seu monumental ABC da língua culta, diz, de forma precisa e respeitosa, como convém aos mestres: “”*Menas pessoas é de nível inculto” (pág. 280). Não diz que não existe, como os autores do livro 1001 dúvidas de português e tantos outros; existe, sim, mas é forma inculta, forma que não corresponde ao padrão da língua.

Em lugar de afirmarem simploriamente que essa variação feminina de um advérbio não existe, os que se interessam por informação, não por pitaco, deveriam se perguntar: Por que os falantes acharam necessário criar essa forma feminina? Por que dizem “*menas gente”, mas não dizem “*cado menino” em oposição a “cada menina”? Por que os falantes se desviam da norma padrão em alguns casos, mas não em outros? Isso, sim, seria útil, muito mais do que tabelinhas coloridinhas, que nada explicam. E muitas vezes dizem bobagens.

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